terça-feira, 11 de outubro de 2011

As Energias Renováveis no Nordeste (abril de 2002)


As possibilidades de utilização de energias renováveis, principalmente da energia solar, há muito desperta a atenção de pesquisadores na busca de soluções para os problemas enfrentados pelo homem nordestino.
Fomentando essa busca, têm-se, de um lado, as dificuldades da vida rural no semi-árido, onde a escassez de água e a consequente baixa produtividade na agricultura - predominantemente de subsistência - submetem o homem a situações de extremas dificuldades. Do outro lado, os altos índices de insolação, representando um grande potencial energético a ser aproveitado.
No contexto nacional, o Nordeste apresenta um grande potencial para a matriz energética do nosso país. No que diz respeito à energia eólica, seu potencial é reconhecidamente o mais promissor. Atualmente, é no estado do Ceará onde estão localizados os maiores parques eólicos: Prainha e Taíba.
A Exploração da biomassa, apesar de ser uma causa de grande preocupação dos pesquisadores no que tange a exploração de lenha do semiárido, devido à fragilidade do seu ecossistema, tem seu maior aproveitamento representado pela de cana-de-açúcar, largamente cultivada na zona da mata para abastecer a indústria álcool-açucareira, onde não só o álcool mas também o bagaço da cana apresentam um potencial energético ainda não muito bem aproveitado.
Em sequência, tentaremos traçar breves históricos, ainda que resumidos a pequenas mostras em tempo e espaço, das pesquisas, iniciativas e empreendimentos de maior destaque desenvolvidos nessa região, culminando num rápido panorama da situação atual para cada fonte abordada.

A ENERGIA SOLAR
Os benefícios da energia solar, ou seja, do aproveitamento da radiação solar direta, há muito são utilizados no Nordeste, mas de forma bastante primitiva como na secagem de alimentos ao ar livre e produção de sal. As primeiras pesquisas de formas de exploração mais amplas tiveram diversos focos nas universidades locais, principalmente nos estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Um dos primeiros trabalhos sobre tais potencialidades foi a tese "Possibilidades da Energia Solar no Nordeste", apresentada no Rio de Janeiro, em 1952, pelo Doutor em química Jaime Santa Rosa durante o X Congresso Brasileiro de Química.
Ao que consta, o trabalho suscitou fortes iniciativas, lideradas pelo Eng.º Antônio Guilherme da Silveira, para a criação de um laboratório de energia solar na Politécnica de Campina Grande, no estado da Paraíba, mas, que infelizmente, não se concretizou. Há, ainda, registros de iniciativas semelhantes em outras universidades, mas que também não se realizaram.
Até que, em 1970, durante o I Encontro Nacional de Astronomia na cidade de Souza, estado da Paraíba, o Prof. Júlio Goldfarb apresentou o trabalho "Perspectivas Para Utilização da Energia Solar no Nordeste Brasileiro". O trabalho conseguiu reunir a atenção de outros professores em torno do assunto, vindo a culminar, em fevereiro de 1973, com a criação do Laboratório de Energia Solar - L.E.S. no Campus I da UFPB, pioneiro no país em pesquisas contínuas de energia solar.
A atuação prática do LES iniciou-se com a instalação de 16 estações solarimétricas no estado da Paraíba - trabalho essencial para o conhecimento das potencialidades da região. A equipe de pesquisadores supervisionada e coordenada pelos professores Cleantho da Câmara Torres e Antonio Maria Amazonas Mac Dowell, contava, em seu primeiro ano, com os seguintes professores: Antonio Souto Coutinho; Arnaldo Moura Bezerra; Emerson Freitas Jaguaribe, Júlio Goldfarb; Paulo Martins de Abreu, Rogério Pinheiro Kluppel e Zenonas Stasevskas.
A lista de atuação do LES é extensa, tendo realizado trabalhos nas áreas de baixa e alta concentração, incluindo: aquecimento d`agua, destiladores, fogões solares, secadores de frutas, motores térmicos, bombeamento d'água, fornos de alta temperatura para utilização siderúrgica e sistemas para obtenção de hidrogênio. A projeção alcançada pelo trabalho desenvolvido foi bastante significativa, conseguindo, o LES, selar vários acordos internacionais de cooperação e contratos de financiamentos de projetos. Parte desses trabalhos teve boa divulgação, tanto na imprensa como através de seminários, congressos e simpósios. Para melhor divulgação / difusão de seus trabalhos, foi criado, ainda nos primeiros anos, o "Boletim LES", de edição semestral, onde eram publicados trabalhos especializados nas mais diversas ramificações da energia solar.
A motivação para a instituição do LES e mesmo a data de sua criação foi anterior à crise do petróleo, mas essa veio a fortalecer bastante o trabalho daquele laboratório graças aos incentivos governamentais com farto aporte de recursos técnicos e financeiros para as pesquisas em energias alternativas.

Em meados da década de 80, a queda do preço internacional do petróleo afetou, drasticamente, a disponibilização dos incentivos governamentais então vigentes, e o Laboratório foi obrigado a mudar seu foco de trabalho, apesar de manter alguma atividade em torno da energia solar.
Durante o tempo em que conseguiu manter forte atuação, o LES conseguiu produzir bastante conhecimento, mas, pode-se afirmar que, por motivos diversos, pouco foi revertido, diretamente, em benefício das áreas rurais nordestinas. Citem-se os casos dos fogões e destiladores.
Na área de fogões solares, o LES desenvolveu vários modelos, avaliando desempenho e resultado do emprego de novos materiais em sua construção. Os modelos incluíam os dois tipos de fogões solares mais difundidos: o de concentrador parabólico e o de efeito estufa ou "caixa quente". Foi alcançado um estádio de desenvolvimento bastante satisfatório. Mas, apesar de se haver demonstrado a viabilidade de uso e o importante papel que estes tipos de fogões poderiam desempenhar nas áreas rurais do sertão nordestino, especialmente na preservação da caatinga e do cerrado, infelizmente não houve nenhum empreendimento ou programa oficial para sua difusão em larga escala.
Em relação aos destiladores solares, foram feitos vários trabalhos de pesquisa, mostrando sua validade no semi-árido para obtenção de água potável para abastecimento de pequenas comunidades ou mesmo de residências isoladas, a partir de água com alto teor salino. Apesar de reconhecer que o seu custo, comparado a outras formas de obtenção de água destilada, era superior, o boletim L.E.S. destacava a simplicidade de operação e de construção, e que poderiam ser obtidos preços bem mais baixos com o desenvolvimento de materiais que substituíssem o vidro. Infelizmente, pelo que sabemos, não houve tal progresso e a esperada disseminação dos destiladores não ocorreu.
Outro trabalho que merece destaque é o do Núcleo de Energia - NERG, criado na UFPB, Campus I, em 1977, o qual dividiu vários trabalhos com o LES em energia solar. No NERG, também foram desenvolvidos importantes trabalhos na obtenção de hidrogênio a partir de energia solar, bem como sua utilização em fornos, em motores de combustão e produção de adubos.
Na UFRN, o prof. Nicanor de Azevedo Maia conseguiu bastante sucesso na utilização de hidrogênio em motores à combustão, incluindo os de veículos automotores de passeio. Outro trabalho do prof. Maia, de bastante repercussão na época, foi a concepção de um motor de ciclo térmico, próprio para utilização da radiação solar direta como fonte energética.
Com a mencionada queda no preço do petróleo, todos esses trabalhos tiveram sua desativação ou vieram a sofrer grande descompasso devido à falta de incentivos.

Continuidade: Já na década de 90, com o desenvolvimento mundial dos painéis fotovoltaicos e a queda nos preços, houve, após a abertura às importações no Brasil, o início de vários programas sociais de implantação de sistemas fotovoltaicos mantidos por ONG´s e pelas concessionárias de energia elétrica. Uma das principais aplicações desenvolvidas é a eletrificação em comunidades isoladas. O grande número de residências rurais não assistida por rede pública de eletrificação no Nordeste aumenta muito a importância destes programas.
Tais sistemas são vistos pelas concessionárias como um pré-eletrificação, devido à baixa potência dos sistemas, geralmente individuais, que giram em torno de 70 a 100 Watts pico, e que visam a dotar as residências de iluminação e força para pequenos aparelhos de som ou de televisão. Por este motivo, algumas ONG´s referem-se a seus programas como substitutos da pilha e do querosene, combustível geralmente utilizado para alimentar as lamparinas. Sistemas centralizados de recarga de baterias também foram implantados em alguns programas para atendimento de comunidades menos dispersas, mas, posteriormente, foram convertidos em sistemas individuais.
Os sistemas fotovoltaicos têm trazido muitos benefícios às comunidades rurais através de programas sociais, possibilitando funcionamento de postos de saúde e dotando escolas rurais de boa iluminação, água potável e recursos como videocassete, aparelhos de televisão e antenas parabólicas . O Programa de Desenvolvimento Energético dos Estados e Municípios – PRODEEM - criado em 1994 pelo Departamento Nacional de Desenvolvimento Energético do Ministério das Minas e Energia com o objetivo de atender às populações desassistidas da rede elétrica convencional, contribuiu muito nesse sentido. A maioria das ONG´s e concessionárias envolvidas no trabalho de implantação de sistemas fotovoltaicos, além de manter seus próprios programas passaram a ser agentes executores do PRODEEM.


A obtenção de água potável, um dos maiores problemas do semi-árido nordestino, também tem sido conseguida com muita eficiência por sistemas de bombeamento de água de poços e dessalinizadores alimentados por energia fotovoltaica.
Apesar do grande entusiasmo e inegáveis benefícios trazidos, atualmente algumas dúvidas são levantadas quanto à continuidade dos programas de eletrificação fotovoltaica. Um fator bastante forte foi a recente privatização das concessionárias de energia elétrica. Por não serem programas financeiramente rentáveis e exigirem grande desdobramento para sua manutenção, ainda não se sabe que tratamento será dado a eles pelas novas diretorias. Problemas simples de manutenção reforçados por instalações inadequadas, têm sido causa de longos períodos de inoperância em várias instalações rurais.
Algumas organizações independentes como o NAPER, têm se firmado com bastante veemência na cobrança desses compromissos. Esse tipo de acompanhamento pela sociedade pode ser decisivo para o sucesso de tais programas, já que a viabilidade técnica da energia fotovoltaica, em tais aplicações para a região, encontra-se amplamente comprovada.
Dessalinizadores sob responsabilidade das prefeituras locais também têm sofrido o problema, inclusive com maior incidência, devido à necessidade de manutenção com troca periódica das membranas osmóticas.
Motivo de preocupação de pesquisadores e ambientalistas, em decorrência do uso de dessalinizadores, tem sido a questão dos rejeitos, que apresentam alto índice de concentração de sais. Algumas soluções são apontadas para o aproveitamento em outras atividades. Entre elas a criação de tilápias e algumas variedades de camarão, e também o cultivo irrigado de plantas com características de alta absorção de sal como a Atriplex. São soluções bastante atraentes, mas que ainda se encontram em fase de avaliação.


ENERGIA EÓLICA
A energia eólica no nordeste há muito se transformou em aliada do homem no enfrentamento das condições adversas. Os cata-ventos para bombeamento de água são bastante comuns na paisagem nordestina. Fabricados por diversas pequenas e médias indústrias locais, são empregados para bombear água proveniente de poços, açudes, rios e cacimbões, entre outros. Um destaque são os enormes cata-ventos de madeira utilizados nas salinas do Rio Grande do Norte para bombeamento de água do mar.
O Núcleo de energia - NERG, da UFPB Campus II, juntamente com a UFRJ, foi um dos núcleos de pesquisas pioneiros em energia eólica no Brasil, tendo desenvolvido diversos trabalhos para aplicação da energia eólica em irrigação e geração de energia elétrica. Em seu parque de testes, eram avaliados os vários tipos de turbinas de eixo vertical e horizontal, sendo, em sua maioria, construídos no próprio laboratório.
O corte nos incentivos devido à queda do preço do petróleo, como não poderia deixar de ser, também afetou o NERG, que foi obrigado a ampliar seu foco, diversificando sua linha de atuação, ainda que na área energética.

Continuidade: Atualmente, o nível tecnológico alcançado pela indústria mundial de aerogeradores e a consequente queda acentuada no custo da energia eólica têm tornado crescente o interesse na sua exploração. O potencial da costa nordestina tem sido bastante destacado. A UFPE, através do Centro Brasileiro de Energia Eólica - CBEE, desde de 1990, vem desenvolvendo importante trabalho em consultoria, projeto e desenvolvimento e área acadêmica, com destaque para a elaboração do Atlas Eólico do Nordeste do Brasil, que se deu com o apoio da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL e do Ministério de Ciência e Tecnologia.
Foi do CBEE a iniciativa da instalação do primeiro aerogerador de médio porte no Brasil. Trata-se de uma unidade de 75KW, com rotor tripá de 17 metros de diâmetro, instalada no arquipélago de Fernando de Noronha em junho de 1992. O conjunto foi integrado ao sistema de fornecimento de energia, formando um sistema híbrido com o gerador diesel já existente na ilha, patrocinando uma economia de aproximadamente 10% no consumo de diesel e uma consequente redução de emissão de poluentes.
O Ceará é hoje quem abriga os maiores parques eólicos nacionais: Taíba, com 10 aerogeradores e potência conjunta de 5 MW; Prainha de Aquiraz, com 20 aerogeradores e potência de 10 MW.
O investimento é fruto de um contrato por licitação entre a COELCE -Companhia Energética do Ceará, e a empresa alemã Wobben Windpower, por meio do qual esta última atua como produtor independente privado, fornecendo energia elétrica a partir da energia eólica àquela concessionária. Segundo estimativas do CBEE, o potencial eólico existente no nordeste é de 6.000MW.

BIODIGESTORES RURAIS
Com a crise do petróleo, na década de 70, foi trazida para o Brasil a tecnologia dos biodigestores, sendo os principais modelos implantados o Chinês e o Indiano. Na região nordeste, foram implantados vários programas de difusão de biodigestores.
Um dos centros de difusão mais atuantes na região foi o Laboratório de Energia Biomassa da UFPB, em Areia, na Paraíba. A criação e os trabalhos daquele laboratório iniciaram-se em 1977, com a contratação do Professor visitante Kuzhiparambil Prakasan, um dos maiores especialistas no assunto a nível internacional, para atuar como coordenador do laboratório.
Os trabalhos do prof. Prakasan foram muito profícuos, e os resultados conseguidos foram bastante satisfatórios. O laboratório tornou-se um dos maiores centros de difusão de biodigestores do país, fornecendo aporte científico aos programas de disseminação, tornado-se também um dos centros de treinamentos mais conhecidos, graças aos inúmeros cursos que reuniam pesquisadores e profissionais de vários estados.
Em 1987, um acidente automobilístico vitimou o prof. Prakasan, interrompendo de maneira trágica seu louvável trabalho, que foi, sem dúvida nenhuma, um dos principais fatores para o sucesso experimentado pelos programas de implantação de biodigestores na época.
Os benefícios do biogás e do biofertilizante de excelente qualidade obtidos pelos biodigestores rurais, até então praticamente desconhecidos no país, fizeram com que os programas de disseminação tivessem um vertiginoso crescimento na região. Só na Paraíba a EMATER conseguiu, através de convênio com o Ministério das Minas e Energia, a implantação de 196 biodigestores em propriedades rurais, na sua maioria instalados entre o final de 1979 e 1982.
Posteriormente por motivos diversos, predominantemente correlatos à queda do preço do petróleo, houve uma forte desaceleração nos programas de disseminação. O corte nos incentivos governamentais, com a resultante falta de assistência, prejudicou muito a continuidade operacional dos biodigestores instalados, principalmente por ser uma tecnologia nova e não dominada por seus proprietários e que exigia forte apoio técnico. Para se ter ideia, no auge do programa, a EMATER-PB mantinha diretamente envolvidas no seu programa, entre gerentes, coordenadores, técnicos e pessoal administrativo de campo, mais de cento e vinte pessoas.
Um indicador desse recesso é demonstrado pelo resultado de uma avaliação recente do NERG - Núcleo de Energia da UFPB, que demonstra que, do universo de quase 200 biodigestores implantados, apenas 4,6% estão em funcionamento, e 96.9% dos proprietários não desejam reativar os seus.

continuidade: Dos biodigestores construídos nos anos 80, poucos ainda se encontram em funcionamento. Recentemente, registra-se apenas a construção de algumas poucas unidades, realizada com recursos próprios dos seus proprietários.



Um caso de destaque é o biodigestor PE, desenvolvido pelo agrônomo pernambucano Jaime Germano. Na verdade, uma variação do modelo Chinês, com um novo desenho da câmara de fermentação e manejo desenvolvido por ele para melhor adaptar o biodigestor às características de nosso solo e clima. Segundo ele, a sua larga experiência nos programas de implantação, como coordenador do SEI- Sistema Energético Integrado da EMATER–PE, mostrou-lhe que os modelos com desenho original não se adaptam bem a nossa região, ocorrendo constantes rachaduras em sua cúpula, com conseqüente perda de gás.
Outro problema corrigido em relação aos primeiros modelos instalados no país diz respeito ao gasômetro que, a exemplo dos últimos modelos desenvolvidos na China, tem sua construção independente da câmara de fermentação. Essa configuração resolve os problemas de variação de pressão em relação ao modelo de cúpula fixa e minimiza os efeitos da corrosão - bastante acentuados no modelo Indiano - já que a campânula não tem contato com a mistura em decomposição.
O biodigestor PE tem viabilizado alguns empreendimentos em Pernambuco, e os resultados têm sido bastante positivos. Seu custo é semelhante ao modelo chinês e bem inferior ao modelo Indiano.Um dos empreendimentos mais recentes que adotam o PE encontra-se em fase de construção: um biodigestor de mais de 80m³ na cidade de Carpina.

BIOMASSA
A exploração desordenada da lenha na zona rural nordestina para uso em cozinha, fornos de padaria e indústrias metalúrgicas sempre foi um fato bastante comum e causa de preocupações, motivando varias avaliações e estudos por centros de pesquisas de universidades locais. Muitas propostas como a utilização de fogões solares e utilização do hidrogênio para reduzir o desmatamento têm sido apresentadas, mas, o assunto ainda é um desafio a ser enfrentado.
Um dos primeiros grandes empreendimentos comerciais aconteceu em 1927, quando a Usina Serra Grande de Alagoas lançou a USGA, combustível a base de álcool e éter etílico, alternativo à gasolina. O empreendimento conseguiu relativo sucesso durante alguns anos em Pernambuco e Alagoas, estados onde sua comercialização atingiu níveis expressivos, tendo inclusive motivado o aparecimento de outras marcas. Já em 1973, o Programa Nacional do Álcool - Proálcool, instituído pelo governo federal , trouxe grande expansão a essa indústria no Nordeste. Mas o modelo implantado, bem como a sua eficiência e o aproveitamento energético ainda é alvo de críticas.

Continuidade: O principal aproveitamento da biomassa no Nordeste, ainda é representado pela indústria álcool-açucareira. Com o descompasso do Proálcool e a estagnação do crescimento do setor de geração elétrica nacional, vem-se configurando outro atrativo para essa indústria: o fornecimento de eletricidade a partir da co-geração. Várias usinas já se mobilizam para ampliar sua capacidade de produção e se interligar ao sistema, tornando possível a comercialização do excedente da energia gerada como fornecedoras.
No quadro abaixo, disponibilizamos texto do Prof. Carlos Roberto de Lima sobre a utilização da biomassa como fonte energética.

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BIOMASSA & ENERGIA Prof. Carlos Roberto de Lima

Mesmo antes da descoberta do fogo a biomassa se faz presente na vida do homem. Aliás, desde que o homem é homem que a biomassa se faz presente em sua vida: o alimento é biomassa e é, fundamentalmente, uma forma de energia. Portanto, nada é mais atual e necessário na vida da humanidade que a biomassa, nas suas mais variadas formas e utilizações. Entretanto, sempre que se fala na biomassa como fonte de energia fica algo de ultrapassado, de arcaico, de antigo no ar! Neste texto tentaremos explicitar alguns fatos e aspectos da utilização da biomassa como fonte natural e renovável de energia para diversos processos industriais e residenciais.
A biomassa constitui uma fonte de energia renovável de vital importância para a humanidade, desde os seus primórdios. No início apenas como alimento, posteriormente, com a descoberta do "fogo", passou a ter importância em diversos processos de transformações e serviços.
Para muitos países na atualidade, inclusive para o Brasil, a biomassa possui enorme importância como insumo energético. Existem países nos quais a sua participação no consumo de energia ultrapassa a casa dos 90%. No caso do Brasil a participação da biomassa esta em torno dos 22% do consumo final de energia, sendo que a cana-de-açúcar contribui com cerca de 12% e a lenha (madeira) com cerca de 10%.
Se considerarmos apenas o consumo de combustíveis, isto é, se excluirmos do consumo final a energia elétrica de origem hidráulica, o percentual de participação da biomassa aumenta. E se considerarmos a produção interna de energia primária, a participação da biomassa eleva-se para cerca de 30%.
Por ser, o Brasil, um país tropical com uma grande incidência de luz solar, grande disponibilidades de terras, de mão-de-obra barata e detentor de tecnologias de produção de biomassa e de processos de conversão de biomassas em energia, a biomassa torna-se a fonte de energia ideal: renovável e sequestradora de gás carbônico (CO2) e, proporcionando uma enorme gama de benefícios socioambientais, não proporcionados por nenhuma outra fonte de energia.
Sobre a biomassa florestal (lenha) pesa contra o argumento de que seja a responsável pelo desmatamento, pela erosão e desertificação e, pela perda da diversidade biológica (flora e fauna). Mas cabe-nos esclarecer que não é a utilização da madeira para finalidades energéticas ou não a razão causadora destes sérios problemas ambientais. As razões residem nas motivações das solicitações das licenças para a realização dos desmatamentos, que quase sempre são: as expansões das fronteiras agropecuárias, os grandes projetos de mineração, os grandes projetos de infraestruturas (transportes, hidroelétricas, linhas de transmissão de energia, etc.). Sendo que a utilização da biomassa florestal para fins energéticos dá-se de forma parcial e apenas quando da existência de um mercado consumidor dentro de um raio econômico para o transporte da biomassa. Quando isto não ocorre, a biomassa é, simplesmente, queimada sobre o solo do qual foi retirada. Estas são as verdadeiras razões dos problemas ambientais advindos de um manejo inadequado. Estes fatos são covardemente colocados por pessoas que trabalham com outras fontes energéticas na tentativa de denegrir a imagem da biomassa florestal e de quem quer que faça uso desta para finalidades energéticas. Uma manobra puramente mercantilista, que não possui fundamentação e solidez para uma discussão séria sobre impactos sócio-ambientais positivos e negativos entre as diversas fontes. É interessante salientar que muitos ecologistas bem intencionados, mas sem um embasamento técnico, acreditam e reproduzem estes argumentos. Convidamos a todos para uma ampla discussão destes fatos.
Recentemente estivemos realizando um estudo prospectivo do potencial energético da biomassa florestal para o Estado de Mato Grosso do Sul. Para isto consideramos 20% da área do Estado como sendo área de reserva legal (lei 4771, 1965 – Código Florestal Brasileiro), trabalhando com a silvicultura comercial e considerando a madeira com um teor de umidade médio de 15% no momento da utilização. Obedecendo a estas premissas chegamos aos seguintes resultados: poder-se-ia instalar uma potência elétrica variável entre 27 a 55 mil MW, de 2 a 4 UHE de Itaipu. O Estado consome hoje 400 MW na base e 700 MW na ponta. Em 7 anos teríamos recomposto toda a área de reserva legal do Estado, fixando um estoque de Carbono variável entre 302 a 682 milhões de toneladas e proporcionando uma ciclagem de Carbono anual entre 76 a 170 milhões de toneladas. Para tanto, seria necessário o reflorestamento anual de uma área de cerca de 1,023 milhões de hectares e, considerando que cada hectare reflorestado pode gerar até 04 empregos diretos, possibilitaríamos a geração de cerca de 4,1 milhões de empregos diretos anuais. A reposição florestal destas áreas permitiria a regularização do regime hidrológico das bacias hidrográficas nas quais fossem implantadas, possibilitando o aumento no volume e a melhoria da qualidade dos recursos hídricos. Minorando o processo de erosão e de assoreamento. Sem jamais perdermos de vista as possibilidades de usos múltiplos para a madeira e para as áreas reflorestadas.
Estas são algumas verdades sobre o uso de biomassa para fins energéticos, a parte referente ao potencial para o Estado de MS é parcialmente minha, uma vez que nos baseamos em métodos citados na literatura para realizarmos as nossas estimativas e as demais são relativas ao próprio mercado.
Esperamos ter contribuído para o aclaramento de muitos aspectos duvidosos, dúbios ou ambíguos frequentemente utilizados de formas escusas, as mais diversas possíveis, cuja função principal é confundir mais, principalmente aos que não tendo conhecimento profundo da temática tornam-se facilmente em "inocentes úteis", que passam a defender a causa (deles = outras fontes de energia) sem o menor conhecimento de causa (nossa = biomassa).
Estamos abertos à discussão das premissas e dos resultados com técnicos dos governos federal e estadual, das empresas de energia, do Ministério Público Estadual, do Ibama, da SEMACT, das universidades e da iniciativa privada em geral, bem como da sociedade civil organizada (ONGs), com relação aos resultados para o Estado de MS.

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